quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fanfic: "O Último Livro"

Autora: MiMulder

Título: O Último Livro

Classificação: Vignette, Samantha POV

Spoilers: Oitava e nona temporadas, bem de leve... (também do livro citado na história.)

Disclaimer: Os personagens de AX citados nessa história não pertencem a mim, assim como Pollyanna, personagem criada por Eleanor H. Porter, autora do livro homônimo. Essa história não se destina à obtenção de lucros.

Sinopse: Às vezes as coisas não são o que parecem. Alguém ficou de fora da história. Mas na verdade nunca esteve.

Agradecimentos: à minha beta, amiga e uma irmã que eu não tive... Sunny - Sempre :)

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** O Último Livro **

Uma mulher caminhava entre as lápides cinzentas, que contrastavam morbidamente com o verde vivo da grama que as circundava. Seu semblante era pálido, seu olhar, perdido. Os cabelos levemente cacheados e escuros soltos, esvoaçantes. O único ruído audível era o do vento. Batendo nas folhas, assoviando ligeiro.

Não ouvia seu coração. Ele parara. Estava sozinha. Agora, definitivamente. Uma lágrima caiu de seus olhos castanhos quando parou em frente a uma lápide em particular. E foi ali que o vento cessou, a grama empalideceu. Só restava o lúgubre cinza do túmulo. Ajoelhou-se devagar e leu os nomes estampados nos sulcos da pedra.

Já estivera ali antes. Muitas vezes, na verdade. Mas nunca com tamanha sensação de desolação oprimindo-lhe o peito. Fechou os olhos, mas logo os abriu novamente. Preferia o cinza à total escuridão. Tinha medo do escuro. Infantil? Talvez. Mas tinha seus motivos. Seus secretos e dolorosos motivos.

Sentou-se sobre a grama e abraçou os joelhos, entregando-se às lembranças. Antigas, antigas... Passando como um filme em preto e branco dentro de sua cabeça. Gostava delas, eram as únicas coisas que haviam restado. Tentaram roubá-las, fazê-la esquecer, mas aquilo tudo era forte demais. A lembrança de seus primeiros oito anos de vida. É, realmente tivera uma vida. E tudo parecia tão perfeito naquele tempo... Tão perfeito que alguém, numa noite escura, julgou que não era certo.

Lembrou-se de sua casa. Grande, aconchegante... A varandinha onde passava horas jogando Estratégia com seu irmão... Lembrou-se das flores, da casa na árvore. Daquele dia na praia... De como adormecia todos os dias em paz, sob o olhar atencioso de sua mãe. Recordou-se de como ela lia para ela em voz alta, sentada a seu lado na cama, todas as noites... Até que o sono a embalasse. Como era bom...

Seu livro preferido fora... Qual era mesmo o nome? Ah, sim... Era sobre uma menina que perdera os pais e fora morar com uma tia. Seu nome, que também servia como título ao livro, era Pollyanna. Sua mãe o lera devagar... Poucas páginas a cada noite... Deixando-a a degustá-las antes de cair no sono e a esperar ansiosa pelos capítulos seguintes durante o dia.

Ela brincara muitas vezes de Pollyanna em sua infância. Fizera até o jogo esquisito da pequena garota do livro, que a mãe narrara com tanto carinho, enquanto ela escutava com atenção, os olhos fixos e a boca entreaberta.

Era o "jogo do contente". As regras ainda residiam em sua memória, guardadas num canto remoto, empoeiradas pelo desuso. Quando menina as usara vezes sem conta. Quando perdeu um cachorrinho, quando quebrou a clavícula, quando um doce gostoso caiu no chão. Sempre encontrava um motivo para contornar as inconveniências e sorrir de novo.

E esse havia sido o derradeiro livro que enfeitara sua infância. Então lembrou-se do dia em que ela acabou. Acima de seu querer, acima de seus protestos. Arrancaram-na sem o menor pudor de seu mundo de sonhos. Não havia mais livros, o jogo desaparecera, não sorria mais.

Dor e medo... Só ouvia conversas proferidas por vozes secas sobre que procedimento seguir ou quais substâncias seriam testadas da próxima vez. Só via luzes difusas, pessoas ocultadas sob máscaras cirúrgicas e... a escuridão. Às vezes, em silêncio absoluto, lembrava-se das histórias contadas por sua mãe e quase sorria. Às vezes lembrava-se do rosto de seu irmão, das bonecas que seu pai lhe trazia... Mas logo as pessoas estranhas voltavam. E tudo em que ela conseguia pensar era numa maneira de se concentrar para não sentir tanta dor... E tanto medo.

Passou-se muito tempo... Ela perdera a noção. Mas nunca esqueceu-se de quando viu novamente a luz do dia. Tão clara que chegava a machucar-lhe os olhos. Tão quente, tão acolhedora. Ao contrário do mundo, que seguiu seu curso sem se importar se ela estava perdendo algo, se estava perdendo tudo.

Na verdade assistira a tudo nos bastidores, através das falas sussurradas daqueles homens engravatados, que propagavam seus propósitos malignos. Aquelas palavras a estremeceram inúmeras vezes. Ela sabia. Sabia de todas os esforços inúteis que seu irmão fizera para encontrá-la. Sabia que ele era um agente do FBI e se revelara uma ameaça ao "Projeto". Sabia também do sem-número de tentativas por parte daqueles homens das sombras de detê-lo, destruí-lo, bem como sua parceira. Sabia que seus pais haviam falecido...

... E descobrira, sob a luz do sol, naquele mesmo cemitério há algum tempo, que ela também estava morta.

Aparentemente, seu irmão havia encontrado um desfecho para aquele Arquivo X. Ela estava morta. A data na lápide informava que ela se tinha ido aos quatorze anos...

Sua primeira reação fora de revolta, tristeza. Mas depois um grande alívio tomou conta de seu ser. Seu querido irmão merecia uma libertação. Já carregara aquele fardo por tempo demais. Por isso resolvera que não diria nada, por mais que essa decisão doesse. Não se revelaria, correndo o risco de machucá-lo e tirar dele aquela frágil certeza que o confortava. Não queria passar por mais um clone ou uma farsa destinada a iludi-lo. Não suportaria isso, não depois de tudo o que havia sofrido.

Além disso não sabia se o poria em perigo ao contatá-lo. Ela mesma não compreendia por que os homens das sombras a haviam deixado ir. Vai ver eles achavam que não se lembraria de absolutamente nada depois de todos aqueles traumas, ou mesmo que ela não estava a par dos acontecimentos.

Mas estavam errados. Ela sabia, sim. Perdera anos de sua vida sob seus domínios. Estudara seus passos, os ruídos, as conversas abafadas. Sabia de suas pretensões de carregar o destino da humanidade nas mãos.

Mas fora devolvida como uma mulher leiga. Como uma cobaia sem maiores utilidades. Ou isso fazia parte dos planos obscuros daqueles homens? Não sabia. Não queria saber. Aquilo tudo ainda a apavorava, mas mesmo assim preferia estar vulnerável junto com o resto da humanidade, sem saber o que o futuro lhe reservava.

Ali, no cemitério, lembrou-se do dia em que sorriu de novo. Um dos maiores e mais brilhantes sorrisos que já mostrara. Foi quando ouviu seu sobrenome ser pronunciado por uma mulher de cabelos cor de cobre, a um homem alto que estava a seu lado. Era seu irmão.

"Fox Mulder"... Ela pronunciou o nome dele em silêncio, enquanto seguia, alguns passos atrás, os dois agentes em direção a uma lanchonete. Sentou-se a uma mesa no canto, de onde podia ver o irmão e a mulher conversando alegremente, enquanto tomavam café.

Cobrira o rosto com um jornal, permitindo que somente seus olhos ficassem à mostra. Então era ela... A agente que o amparara e tomara sua cruzada. Era baixa, elegante, e tinha belos e intensos olhos azuis. E seu irmão estava tão bonito... Muito diferente daquele menino magricela que povoava suas memórias. A cena trouxe-lhe lágrimas aos olhos. Aquele casal rindo, conversando com entusiasmo, como se nada mais existisse. Seu irmão estava feliz... Como queria participar daquela felicidade, sentir um pouco dela... Mas não podia.

Por uns instantes seus olhos se encontraram com os dele, e tivera quase certeza que ele a havia reconhecido. Teve receio, teve esperança, mas logo ele voltou os olhos à xícara de café, retomando a conversa com a parceira como se nada tivesse acontecido.

Foram inúmeros encontros como aquele. Num banco, numa farmácia, numa banca de revistas... Ela, sempre à distância. Ele, sempre alheio. Não sentia-se tão sozinha sabendo que seu irmão estava por perto, que era tão fácil vê-lo...

Mas tudo começou a mudar... Seu irmão desaparecera, assim como o brilho nos olhos azuis da mulher ruiva. Estava ficando aflita, preocupada... Uma vez chegara muito perto da mulher, e quase perguntara o que estava acontecendo. Mas se conteve a tempo. Apenas acompanhava de longe o turbilhão de acontecimentos, correria, rostos novos... Vira muitas vezes a agente do FBI caminhando sozinha pela calçada, perdida, melancólica. Vira também como sua barriga crescia cada vez mais... Ela estava grávida.

E, finalmente, vira seu irmão voltar.

Mas nada era mais a mesma coisa.

O bebê da bela agente nasceu.

E seu irmão desapareceu novamente.

No ar, de repente...

Via agora apenas a mulher ruiva, raramente. Às vezes carregava a pequena criança, e eram as únicas vezes que tinha um sorriso nos lábios. Às vezes estava em companhia de um outro agente, ou de uma mulher alta de cabelos bem negros.

Nada era mais a mesma coisa.

E um dia até a mulher ruiva desapareceu.

E, voltando de seus devaneios, ela estava novamente sozinha. Ali, em frente ao túmulo de seus pais e o seu próprio.

Mas, estranhamente, debaixo de toda sua tristeza, havia uma ponta de esperança. Gostava de imaginar que seu irmão havia comprado uma casa bem bonita num lugar calmo e bem longe dali, e estava vivendo em paz com a agente ruiva e o pequeno bebezinho. Seu sobrinho... Não tinha dúvidas. Gostaria de poder afirmar que estavam sendo felizes. Juntos.

Mas não podia. Porém, lembrou-se que poderia continuar vivendo. E sonhando, e fazendo o jogo.

Uma pequena borboleta amarela pousou na ponta da lápide e ela sorriu. Passeou os dedos no contorno de seu nome grafado na pedra.

SAMANTHA ANN MULDER

1965 - 1979

Não, estava viva. Respirou fundo, sentiu o sangue correndo nas veias, apertou as mãos... sorriu largamente.

O verde voltou à grama, a brisa voltou a bater em seu rosto. E ela deixou o cemitério.

Do outro lado da rua havia uma pequena livraria, com um modesto estoque de obras literárias. Ela resolveu entrar. Num canto de uma das prateleiras, meio empoeirado e com as páginas amareladas, estava um livro familiar. Uma garotinha loira estava estampada na capa. Pollyanna.

Coincidentemente, era a mesma edição que possuía quando criança. Pegou o livro com carinho e o abriu na última página.

"Cara tia Polly, caro tio Tom: Oh, eu posso - eu já posso andar! Hoje andei de minha cama até a janela, ida e volta! Seis passos! Que bom é poder usar novamente as pernas!..."

"... Amanhã vou dar oito passos. Oito já, hein?"

Fechou-o de novo, sorrindo emocionada. Lembrava-se perfeitamente de sua mãe narrando aquelas linhas. Lembrava-se de como tentara esconder suas lágrimas sob o lençol quando ouvira tais palavras em sua infância. Não conseguira. E muito menos naquele momento, dentro da livraria.

Ela também aprenderia a andar novamente. Passo por passo. Dia por dia. Se caísse, levantaria outra vez. Viera tropeçando até ali, mas chegara, e não pararia agora.

Enxugou as lágrimas e pagou o valor do livro à vendedora, que a olhava entre curiosa e preocupada. Agradeceu e saiu.

Abraçou seu pequeno tesouro junto ao peito e seguiu seu caminho. O sol já se punha e as sombras se alongavam na rua quase deserta. Logo tudo seria coberto pela escuridão. Mas ela não queria sentir mais medo.

Nunca mais.

FIM

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Notas finais: Sei que esta história contraria o que é exposto em Closure, mas who cares? Heheheh... Achei o episódio em questão lindo e tocante, mas gostaria de todo meu coração que Sam estivesse viva. Então escrevi essa fic, sem muitas explicações, sem muito compromisso em expor fatos crus, apenas colocando num caderno o que vinha em minha mente...

Beijos pro pessoal do café *sem nome* do shopping, que faz o melhor capuccino que eu conheço! :D É inspirador, heheheh...

Gente, feed, please... Às vezes é até muito melhor que capuccino ;)

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